domingo, 31 de dezembro de 2006

Promessas

“Deus também merece presentes. Deus também quer ficar feliz. As pessoas que dizem gostar dele tratam de dar-lhe presentes (como os Magos) – os melhores, os que lhe darão maior prazer. Presentes para fazer Deus sorrir de felicidade, presentes para fazer Deus voltar a ser criança! O presente que dou deve ser a realização do desejo do outro. E quais são os desejos de Deus – a se acreditar nos presentes que lhe são oferecidos?

Antigamente os mais devotos, para fazer Deus ter prazer, autoflagelavam-se com chicotes e coisas pontudas. Quando eu era menino, vi mulheres carregando pesadas pedras nas cabeças, como presente a Deus. Hoje estas coisas viraram presentes bregas. Deus melhorou, e só aceita cascas de feridas mais delicadas. Na casa de presentes a Deus se encontram, por exemplo, as seguintes opções: subir, de joelhos, o caminho até a igreja do Pe. Cícero; subir, de joelhos, a escadaria da Igreja da Penha; arrastar uma cruz, a pé, por 50 quilômetros; ficar sem comer por três dias; abster-se de beber cerveja por todo um mês; não tomar coca-cola por nove meses; não transar ou não se masturbar até que a graça seja concedida.

O que dizem tais presentes sobre o caráter de Deus? Dizem que ele não é Deus, é um ser monstruoso, sádico, que fica feliz quando nós sofremos, corrupto, concede graças a troco de dor. Se eu fosse Deus trataria de me mudar para bem longe, um outro universo onde só houvesse plantas e animais. Plantas e animais entendem mais de Deus do que nós.

Portanto, com um pedido de perdão por tanta ofensa, sugiro que, na passagem do ano, façamos promessas bonitas a Deus, promessas que digam que o achamos normal e bonito como nós. Ele não é sádico. Não tem orgasmos quando nós sofremos. Ele sofre quando sofremos e dá risadas quando damos risadas. Assim, se oferecermos presentes de felicidade ele ficará feliz e voltará. Como exemplo aqui vão algumas das promessas que farei.


Vou andar diariamente, sem obrigação de fazer exercício, por algum bosque ou jardim deste universo maravilhoso, por puro prazer. Vou comprar uma cachorrinha cocker-spaniel. Vou gastar tempo observando o vôo dos pássaros, a forma das nuvens, a folhagem das árvores. Vou ver de novo O carteiro e o poeta. Vou fugir do agito, do ruído, da confusão. Vou cultivar a solidão e o silêncio: um espaço sagrado. Vou fazer um jardim zen, com água e sinos que o vento toca. Vou ouvir muita música, canto gregoriano, Bach, Beethoven, Mahler, César Franck. Vou ler o Fernando Pessoa inteiro. Vou aprender a cozinhar. Vou receber os amigos. Vou beber cerveja, vinho, Jack Daniels. Vou brincar com coisas e com pessoas.

Que Deus me ajude. E que ele se alegre com minhas promessas”.


(ALVES, Rubem, “Promessas”, A Festa de Maria, Papirus Editora, 1996)

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